PSA vs Grupo VW: duas culturas, dois rumos distintos

"Quinta-feira negra em França: a PSA (Peugeot-Citroen) anunciou o encerramento do estabelecimento de Aulnay (região parisiense) em 2014 e um plano de redução de 8000 empregos em França. Contando com os subcontratantes, o impacto no emprego poderá ser muito maior.
Bernard Thibault, secretário-geral da Confederação Geral do Trabalho (CGT, comunista), falou em "sismo". O choque não foi a surpresa mas o símbolo: "A França desindustrializa-se." O Governo estuda um plano de emergência para o sector. Jean-François Coppé, líder da direita, aponta a "competitividade como prioridade absoluta do pais". Marine Le Pen apela ao proteccionismo e à rejeição "das regras ultraliberais da União Europeia".

Era, no entanto, um desfecho previsível. No último semestre, as vendas totais da Peugeot no mundo sofreram uma quebra de 13% - 18 na Europa e 21 em França. A capitalização bolsista caiu 75%. As fábricas francesas funcionam a 60% da capacidade de produção - o normal seria entre 70% e 85%. A margem de intervenção do Governo é muito estreita. As ajudas públicas ao sector foram caras e não tiveram qualquer efeito estrutural.
A crise da Peugeot surge como efeito da crise económica europeia, que, ao baixar as vendas, criou um excesso de capacidade de produção. Mas é só uma parte da questão: a Renault resiste e o automóvel alemão mostra-se florescente. Resistir ou sucumbir às crises deriva também das estratégias industriais.
Os analistas apontam à Peugeot uma sucessão de erros: começou a internacionalizar-se tardiamente e ficou demasiado centrada na Europa. A natureza familiar do grupo travou a capacidade de se aliar - tem uma aliança limitada com a GM.
Fazem o contraponto com a Renault. Esta cedo fez alianças - é grande accionista da Nissan e tem acordos com a Daimler e a Volvo, o que possibilita grandes economias de escala. E, sendo uma empresa semipública, deslocalizou a maior parte da sua produção. A Renault vende em França 23% das viaturas que produz, contra 44% da Peugeot. A Renault produz 48% dos automóveis fora da Europa, contra 40% da Peugeot.
A Peugeot, tal como a Renault ou a Fiat, especializou-se no utilitário e no segmento médio, o mercado de massa da indústria. Mas os segmentos de topo de gama são os mais rentáveis e, na Europa, são um quase monopólio dos alemães.
"A PSA sonha medir-se com a Audi [Volkswagen], mas para isso são necessários anos de investimento e o grupo não tem os meios", resume um analista. A Volkswagen demorou 20 anos a atingir esse patamar.

As culturas industriais

Philippe Varin, CEO da PSA, argumentou que o problema é a França ter o mais alto custo do trabalho da Europa. Não é exacto: na indústria, o custo da hora de trabalho é equivalente ao da Alemanha. E, no automóvel, o peso do trabalho no custo final varia entre os 7% e os 12%.
A Alemanha não tem salários mais baixos mas adoptou, desde 2000, uma política voluntarista de "moderação salarial", o que reforçou a sua competitividade.
A maior vantagem é de ordem técnica: a fabricação por módulos permite à Volkswagen uma grande economia de custos em relação à Peugeot.
A Alemanha tem outra e decisiva "vantagem competitiva": uma cultura industrial - patronal e sindical - muito diferente da dominante em França. Consiste na capacidade de formular os interesses e as divergências de modo a definir objectivos comuns. Os sindicatos fazem concessões e os industriais também. Foram feitas reformas na segurança social e nas normas do trabalho. Os trabalhadores negociaram, a nível sectorial e nas empresas, acordos de flexibilização do horário de trabalho e de desemprego parcial contra garantias de segurança do emprego. Em momentos de pico das encomendas - vindas da China -, os operários da Mercedes adiaram férias e trabalharam fins-de-semana.
Em 2007, os sindicatos alemães exigiram a devolução dos sacrifícios, a partilha dos "frutos do crescimento". Está em curso uma nova e ambiciosa negociação salarial. Os grandes sindicatos, como o IG Metall ou o IG BCE (química e energia), definiram como linha dar prioridade à salvaguarda do emprego perante os ganhos salariais imediatos.

No automóvel, a negociação visa sempre salvaguardar o coração da indústria na Alemanha. A Volkswagen pretende ser, em 2018, o maior construtor mundial

A mesma cultura domina hoje Detroit, onde o poderoso sindicato United Automobile Workers (UAW) defende a "relocalização" da indústria automóvel americana: Make It ln America. O UAW faz uma enorme pressão sobre os três grandes - General Motors, Ford e Chrysler -, que estiveram à porta da falência no fim de 2008. Para o seu presidente, Bob IZing, "a contratação colectiva é virtuosa na medida em que se orienta para o relançamento dos investimentos e do emprego."
A desindustrialização não é uma fatalidade da globalização, da deslocalização ou das crises. A Apple serve de exemplo colateral. Quando lançou o iPhone em 2007 e passou a sua montagem para a China, tinha 23.700 assalariados em Cupertino (Califórnia).
Hoje tem 47 mil, altamente qualificados. Criou 300 mil empregos indirectos nos EUA. O "coração" e os "frutos do negócio" permanecem na América.
Voltando ao automóvel: o exemplo alemão mostra que um país pode conservar - adaptando-se - as suas "jóias da coroa".
O caso de Itália é o inverso: a Fiat, ao negociar um contrato e um modelo de "governabilidade" dos estabelecimentos similar ao americano ou alemão, encontrou a resistência da maior central sindical, a CGIL, e a indiferença do patronato. Resultado: "emigra", paulatinamente, para Detroit, via Chrysler.
No caso da Peugeot, há a conjugação infeliz dos erros de estratégia empresariais com a impotência sindical.
Por fim, Detroit mostra - e será o mais relevante - que a decisão industrial não pertence exclusivamente ao capital e ao Estado: o sindicato foi o pivot da negociação, sobretudo na Chrysler. Os que se limitam à defesa das "grandes conquistas do século passado" são os que mais depressa tudo perdem."

fonte: público, julho 2012

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