"Foi vítima de um acidente e a companhia de seguros só lhe dá umas centenas de euros pelo seu carro e declarou-o como perda total? Dizem-lhe que vai ter de aceitar o valor venal e ficar sem carro? Se não teve culpa no acidente, então leia as próximas linhas e saiba como reclamar os seus direitos.
Não há nada como falar com os advogados. Esta frase aplica-se a este artigo e aos leitores que estão na situação que descrevemos acima. Se não é o seu caso, decerto conhece alguém que já passou por este calvário. A falta de informação acaba por impedir que seja feita justiça e, na maioria das vezes, conduz à aceitação do que é dito e estipulado pela seguradora.
O seu carro, seja ele qual for, vale o que o mercado estiver disposto a pagar por ele. Existem cotações de modelos, uma informação que lhe servirá quando tiver de levar o seu caso à barra dos tribunais. Sim, porque o valor venal resolve-se em tribunal, não se resolve ao telefone com o funcionário da seguradora. Vamos seguir um acidente passo a passo para que saiba o que fazer se um dia lhe acontecer um acidente semelhante...
Foi envolvido num acidente sem feridos e o seu carro ficou em muito mau estado. A culpa do acidente não foi sua. Prepare-se para um tortuoso caminho para reclamar o que é seu.
Deve verificar se existem feridos e chamar as unidades de emergência médica. Sinalizar corretamente o local (triângulo), vestir o colete e tomar providências de segurança para com os restantes ocupantes dos veículos, para que se retirem da estrada. De seguida deve identificar o culpado e não deixar alterar a posição dos veículos. Se tiver um telemóvel fotografe o acidente de vários ângulos. Procure de seguida testemunhas, antes ainda de chamar a polícia. Os nomes e contactos telefónicos vão ser fundamentais mais adiante. Não deixe escapar as testemunhas.
Se o culpado assumir a sua culpa no acidente deverão preencher em conjunto a declaração amigável. Peça os documentos e carta verde do culpado para se certificar de todos os dados. À mínima dúvida chame a polícia para tomar conta da ocorrência. Não seja condescendente nesta fase porque pode pagar caro mais adiante.
O seu carro está muito danificado e não pode circular. Chame a assistência em viagem ou um serviço de reboque. Leve o carro para urn concessionário oficial da marca e guarde o recibo do reboque. Os próximos dias vão ser determinantes para os passos seguintes. O seu carro vai ser sujeito a peritagem e orçamentação da reparação. É aqui que começam os problemas. O carro tem 10 anos, um valor no mercado de usados a rondar os 5000 euros e a reparação cifra-se em 6500 euros. A seguradora vai querer pagar o valor venal e oferece-lhe 1500 euros pelo seu carro.
Com este valor voce não consegue comprar um carro igual e em condições semelhantes. A injustiça começa qui. Não pediu para ser abalroado por outro carro, tinha um bem que valia 5000 euros e de repente destruírarn a sua propriedade e pagar-lhe menos de metade do valor real. Só há uma palavra para definir esta situação: injustiça. E quando a justiça falta, os tribunais são o caminho. Mas para optar por esse caminho terá de tomar outras medidas.
No momento em que reclama a peritagem do seu carro deve enviar por fax ou e-mail urn pedido de veículo de substituição. Esse pedido vai ser recusado pela seguradora. Na verdade não recusam, apenas atrasam a resposta semana após semana. Vá a um rent-a-car e alugue um carro. Terá de provar em tribunal que o veiculo é essencial para o desempenho da sua profissão e para as tarefas de mobilidade da sua família. Guarde todas as facturas da rent-a-car e alugue de preferencia o utilitário mais barato que a rent-a-car tiver. Deste modo, ninguém poderá dizer que andou de Ferrari à conta da seguradora. Essa fatura é para juntar à do reboque e a outras mais que serão reclamadas em tribunal... com os respetivos juros. Quantos mais anos passarem para resolução do processo, mais os juros contam.
Se o concessionário oficial dá o carro como irrecuperável não há muito a fazer em matéria de reparação. No entanto, se o problema está no custo da reparação, pode sempre procurar outros orçamentos mais baixos que se situem no valor de mercado do seu carro. Pode até aceitar um orçamento com peças mais baratas que as de origem, desde que não comprometam a sua segurança e a dos que transporta.
Apesar dos orçamentos mais baixos, a seguradora não vai querer pagar e vai tentar dar o seu carro como perda total. Alegam com a decisão da peritagem.
Não se esqueça que os peritos trabalham para a seguradora e são realmente peritos em defender quem lhes paga e você não está na lista de clientes. Não se intimide com o que diz o perito. Os peritos são serviços das companhias que raramente são considerados pelos juízes em tribunal. Provavelmente porque os magistrados sabem da parcialidade dos peritos.
Se recusar vai ouvir um rol de ameaças veladas do outro lado da linha e lições sobre o Decreto-Lei 291/07 e outros mais, como forma de o demoverem a ir mais adiante. No entanto, este decreto está repleto de deveres para as seguradoras, que nem todas cumprem conforme decretado. Portanto, tudo o que a seguradora não quer é que você vá para tribunal.
É chegada a hora de procurar um advogado. A partir deste momento todos os danos pessoais, morais, psicológicos, patrimoniais, lucros cessantes, etc, são para contabilizar e juntar ao respetivo pedido de indemnização.
A recusa da companhia em devolver-lhe um veículo semelhante ao que tinha antes do acidente começa a contar em euros a partir daqui. E já não é só o carro, é a sua vida alterada e prejudicada que vai a tribunal. Há um culpado que passou essa culpa para a seguradora que por sua vez recusou assumir essa culpa e disponibilizou um valor irrisório para o ressarcir dos danos causados. A lei diz sirnplesmente isto: "O valor venal do veículo antes do sinistro corresponde ao seu valor de substituição no momento anterior ao acidente".
O lnstituto Nacional de Estatistica utiliza as cotações de carros usados para fazer os seus cálculos e estatísticas de preços. Se o INE valida essa informação, não há razão para o tribunal não a validar também.
Existem muitos casos de pessoas que não gostam de ser injustiçadas e decidiram levar os casos até aos tribunais.
Um Acórdão do Tribunal de Coimbra proferido em 2008 demonstra factos bem diferentes do que as seguradoras contam aos sinistrados. A seguradora ofereceu 750 euros alegando que a restituição "in integro" era excessivamente onerosa porque a reparação se situava nos 2995 euros. O reclamante não aceitou. O tribunal de primeira instância condenou a seguradora a pagar respondendo desta forma: "se a seguradora não quer a reparação in natura, compete-lhe alegar e provar que o autor podia adquirir no mercado, por um determinado preço (mais baixo do que a reparação), um outro veículo que lhe satisfizesse de modo idêntico as suas necessidades... danificadas".
O STJ já tinha anteriormente recusado as alegações da seguradora com este texto que merece a sua leitura: "o entendimento no sentido de não ser aconselhável a reparação quando o custo desta é superior ao valor comercial do veículo é válido apenas quando o veículo danificado é novo ou a reparação não garanta a restituição do lesado à situação anterior. Em todo o caso, salvo melhor opinião, esse entendimento não pode servir para, em benefício do responsável, não restituir o lesado à situação que teria se não fosse a lesão. Um veículo muito usado fica desvalorizado e vale pouco dinheiro, mas mesmo assim, pode satisfazer as necessidades do dono, enquanto que a quantia, muitas vezes irrisória, equivalente ao seu valor comercial, pode não conduzir à satisfação dessas mesmas necessidades, o que é o mesmo que dizer que pode não reconstituir a situação que o lesado teria se não fossem os danos. (...) A excessiva onerosidade, diga-se, não pode resultar apenas da circunstância de a reparação custar mais que o valor comercial. Antes tem de ser aferida também em função da situação económica do devedor, é evidente que não há nenhuma Companhia de Seguros que não possa suportar o custo da reparação em causa".
Nesta decisão do Tribunal da Relação, a seguradora pagou o valor da reparação com os juros a contarem desde a data do acidente, pagou o valor do carro de substituição, que se recusou a dar ao lesado, e danos patrimoniais resultantes de lucros cessantes na atividade comercial em que o lesado e a esposa trabalhavam e que garantiam o seu sustento.
Outro caso resolvido em 2011 pelo Tribunal da Relacão do Porto em que a lesada não aceitou as condições da cornpanhia e reclamou 6033 euros de reparação do veículo, 1056 euros por perdas salárias, 1500 euros de danos não patrirnoniais, 1000 euros por privação de uso do veículo e 27000 euros de danos biológicos e 4000 euros de dano estético, tudo isto acrescido de juros legais até ao efetivo e integral pagamento. A seguradora queria dar à lesada 1200 euros de valor venal.
A seguradora invocava o artigo 20º do Decreto-lei 83/2006 que diz o seguinte: "De acordo com tal normativo, a indemnização por perda total é cumprida em dinheiro quando, como no caso dos autos, o valor da reparação e dos salvados seja superior a 100% do valor venal do veículo, calculado com base no valor de venda no mercado no momento anterior ao acidente e o valor de indemnização por perda total é determinado com base no valor venal do veículo, calculado nos termos do número anterior. No caso dos autos, o valor da reparação era de 6.033,540 euros ultrapassando 500% o valor venal do veículo à data do acidente. Daí que, face à matéria de facto dada como provada, a recorrente só esteja obrigada a pagar a referida quantia de 1.200,00 euros a este título".
O Tribunal respondeu de forma diferente. Não atendeu ao decreto-lei e remeteu para o Código Civil, referindo: "A reparação natural, se for possível, pode ocorrer através da entrega de um bem idêntico ou através da entrega de valor equivalente, que possibilite a reparação ou restauração do bem danificado.
Na verdade, o que revela, neste apuramento, é o interesse do lesado e não o do lesante, já que está em causa determinar a forma pela qual se deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga a reparação (artigo 562.º do Código Civil).
Este entendimento expressa, no fundo, uma realidade da vida de todos conhecida, ou seja, o parâmetro para aferir do valor do custo da reparação, que indemnize integralmente o dano, nos termos previstos na lei, e que de cabal sentido ao princípio da diferença previsto no artigo 566.º, n.º 2 do Código Civil, seguramente enformado do princípio transversal da boa-fé, é o de que o valor do bem danificado tem de ser aferido no contexto do património do lesado, atendendo-se ao valor do uso e às utilidades que o mesmo extraía do bem (que alguns denominam valor patrimonial), o que, em regra, se distancia, para mais, do mero valor venal do bem. Por ser assim, a aferição da excessiva onerosidade não pode apenas ficar dependente da mera comparação numérica.
Não o tendo demonstrado, nem sequer alegado ou provado que com o valor venal do veículo, o lesado poderia adquirir outro veículo idêntico para a mesma finalidade, assiste ao lesado o direito de ser indemnizado pelo valor da reparação, por ser o único que, face à prova dos autos, lhe permite ser investido na situação anterior ao evento lesivo, através da reparação do veículo, em conformidade com o disposto nos artigos 562.º e 566.º do Código Civil".
Com esta decisão do Tribunal da Relação, a seguradora não conseguiu os seus intentos de pagar apenas o valor venal.
Com estes dois exemplos, que fazem jurisprudência, e outros mais que poderíamos aqui publicar, a injustiça só avança se o leitor se deixar manipular em momentos importantes do processo. Não aceite tudo como se fosse uma verdade absoluta. A prova disso está nos casos que lhe mostrámos. O valor venal e a perda total são figuras que valem se as quiser aceitar. Servem também para evitar esquemas de aproveitamento por parte de pessoas sem escrúpulos que tentam lesar as seguradoras. Se estiver a agir de boa fé, será difícil destruírem o valor do seu património, se não tiver contribuído em nada para esse acontecimento."
fonte: guia automóvel, julho 2012
Não há nada como falar com os advogados. Esta frase aplica-se a este artigo e aos leitores que estão na situação que descrevemos acima. Se não é o seu caso, decerto conhece alguém que já passou por este calvário. A falta de informação acaba por impedir que seja feita justiça e, na maioria das vezes, conduz à aceitação do que é dito e estipulado pela seguradora.
O seu carro, seja ele qual for, vale o que o mercado estiver disposto a pagar por ele. Existem cotações de modelos, uma informação que lhe servirá quando tiver de levar o seu caso à barra dos tribunais. Sim, porque o valor venal resolve-se em tribunal, não se resolve ao telefone com o funcionário da seguradora. Vamos seguir um acidente passo a passo para que saiba o que fazer se um dia lhe acontecer um acidente semelhante...
1 - Momento do acidente
Foi envolvido num acidente sem feridos e o seu carro ficou em muito mau estado. A culpa do acidente não foi sua. Prepare-se para um tortuoso caminho para reclamar o que é seu.
2- O que fazer no local do acidente
Deve verificar se existem feridos e chamar as unidades de emergência médica. Sinalizar corretamente o local (triângulo), vestir o colete e tomar providências de segurança para com os restantes ocupantes dos veículos, para que se retirem da estrada. De seguida deve identificar o culpado e não deixar alterar a posição dos veículos. Se tiver um telemóvel fotografe o acidente de vários ângulos. Procure de seguida testemunhas, antes ainda de chamar a polícia. Os nomes e contactos telefónicos vão ser fundamentais mais adiante. Não deixe escapar as testemunhas.
Se o culpado assumir a sua culpa no acidente deverão preencher em conjunto a declaração amigável. Peça os documentos e carta verde do culpado para se certificar de todos os dados. À mínima dúvida chame a polícia para tomar conta da ocorrência. Não seja condescendente nesta fase porque pode pagar caro mais adiante.
3 - Reclamar a reparação
O seu carro está muito danificado e não pode circular. Chame a assistência em viagem ou um serviço de reboque. Leve o carro para urn concessionário oficial da marca e guarde o recibo do reboque. Os próximos dias vão ser determinantes para os passos seguintes. O seu carro vai ser sujeito a peritagem e orçamentação da reparação. É aqui que começam os problemas. O carro tem 10 anos, um valor no mercado de usados a rondar os 5000 euros e a reparação cifra-se em 6500 euros. A seguradora vai querer pagar o valor venal e oferece-lhe 1500 euros pelo seu carro.
Com este valor voce não consegue comprar um carro igual e em condições semelhantes. A injustiça começa qui. Não pediu para ser abalroado por outro carro, tinha um bem que valia 5000 euros e de repente destruírarn a sua propriedade e pagar-lhe menos de metade do valor real. Só há uma palavra para definir esta situação: injustiça. E quando a justiça falta, os tribunais são o caminho. Mas para optar por esse caminho terá de tomar outras medidas.
4 - Preparação prévia
No momento em que reclama a peritagem do seu carro deve enviar por fax ou e-mail urn pedido de veículo de substituição. Esse pedido vai ser recusado pela seguradora. Na verdade não recusam, apenas atrasam a resposta semana após semana. Vá a um rent-a-car e alugue um carro. Terá de provar em tribunal que o veiculo é essencial para o desempenho da sua profissão e para as tarefas de mobilidade da sua família. Guarde todas as facturas da rent-a-car e alugue de preferencia o utilitário mais barato que a rent-a-car tiver. Deste modo, ninguém poderá dizer que andou de Ferrari à conta da seguradora. Essa fatura é para juntar à do reboque e a outras mais que serão reclamadas em tribunal... com os respetivos juros. Quantos mais anos passarem para resolução do processo, mais os juros contam.
Se o concessionário oficial dá o carro como irrecuperável não há muito a fazer em matéria de reparação. No entanto, se o problema está no custo da reparação, pode sempre procurar outros orçamentos mais baixos que se situem no valor de mercado do seu carro. Pode até aceitar um orçamento com peças mais baratas que as de origem, desde que não comprometam a sua segurança e a dos que transporta.
5 - A "lei" da seguradora
Apesar dos orçamentos mais baixos, a seguradora não vai querer pagar e vai tentar dar o seu carro como perda total. Alegam com a decisão da peritagem.
Não se esqueça que os peritos trabalham para a seguradora e são realmente peritos em defender quem lhes paga e você não está na lista de clientes. Não se intimide com o que diz o perito. Os peritos são serviços das companhias que raramente são considerados pelos juízes em tribunal. Provavelmente porque os magistrados sabem da parcialidade dos peritos.
Se recusar vai ouvir um rol de ameaças veladas do outro lado da linha e lições sobre o Decreto-Lei 291/07 e outros mais, como forma de o demoverem a ir mais adiante. No entanto, este decreto está repleto de deveres para as seguradoras, que nem todas cumprem conforme decretado. Portanto, tudo o que a seguradora não quer é que você vá para tribunal.
É chegada a hora de procurar um advogado. A partir deste momento todos os danos pessoais, morais, psicológicos, patrimoniais, lucros cessantes, etc, são para contabilizar e juntar ao respetivo pedido de indemnização.
A recusa da companhia em devolver-lhe um veículo semelhante ao que tinha antes do acidente começa a contar em euros a partir daqui. E já não é só o carro, é a sua vida alterada e prejudicada que vai a tribunal. Há um culpado que passou essa culpa para a seguradora que por sua vez recusou assumir essa culpa e disponibilizou um valor irrisório para o ressarcir dos danos causados. A lei diz sirnplesmente isto: "O valor venal do veículo antes do sinistro corresponde ao seu valor de substituição no momento anterior ao acidente".
O lnstituto Nacional de Estatistica utiliza as cotações de carros usados para fazer os seus cálculos e estatísticas de preços. Se o INE valida essa informação, não há razão para o tribunal não a validar também.
6 - Casos reais
Existem muitos casos de pessoas que não gostam de ser injustiçadas e decidiram levar os casos até aos tribunais.
Um Acórdão do Tribunal de Coimbra proferido em 2008 demonstra factos bem diferentes do que as seguradoras contam aos sinistrados. A seguradora ofereceu 750 euros alegando que a restituição "in integro" era excessivamente onerosa porque a reparação se situava nos 2995 euros. O reclamante não aceitou. O tribunal de primeira instância condenou a seguradora a pagar respondendo desta forma: "se a seguradora não quer a reparação in natura, compete-lhe alegar e provar que o autor podia adquirir no mercado, por um determinado preço (mais baixo do que a reparação), um outro veículo que lhe satisfizesse de modo idêntico as suas necessidades... danificadas".
O STJ já tinha anteriormente recusado as alegações da seguradora com este texto que merece a sua leitura: "o entendimento no sentido de não ser aconselhável a reparação quando o custo desta é superior ao valor comercial do veículo é válido apenas quando o veículo danificado é novo ou a reparação não garanta a restituição do lesado à situação anterior. Em todo o caso, salvo melhor opinião, esse entendimento não pode servir para, em benefício do responsável, não restituir o lesado à situação que teria se não fosse a lesão. Um veículo muito usado fica desvalorizado e vale pouco dinheiro, mas mesmo assim, pode satisfazer as necessidades do dono, enquanto que a quantia, muitas vezes irrisória, equivalente ao seu valor comercial, pode não conduzir à satisfação dessas mesmas necessidades, o que é o mesmo que dizer que pode não reconstituir a situação que o lesado teria se não fossem os danos. (...) A excessiva onerosidade, diga-se, não pode resultar apenas da circunstância de a reparação custar mais que o valor comercial. Antes tem de ser aferida também em função da situação económica do devedor, é evidente que não há nenhuma Companhia de Seguros que não possa suportar o custo da reparação em causa".
Nesta decisão do Tribunal da Relação, a seguradora pagou o valor da reparação com os juros a contarem desde a data do acidente, pagou o valor do carro de substituição, que se recusou a dar ao lesado, e danos patrimoniais resultantes de lucros cessantes na atividade comercial em que o lesado e a esposa trabalhavam e que garantiam o seu sustento.
Outro caso resolvido em 2011 pelo Tribunal da Relacão do Porto em que a lesada não aceitou as condições da cornpanhia e reclamou 6033 euros de reparação do veículo, 1056 euros por perdas salárias, 1500 euros de danos não patrirnoniais, 1000 euros por privação de uso do veículo e 27000 euros de danos biológicos e 4000 euros de dano estético, tudo isto acrescido de juros legais até ao efetivo e integral pagamento. A seguradora queria dar à lesada 1200 euros de valor venal.
A seguradora invocava o artigo 20º do Decreto-lei 83/2006 que diz o seguinte: "De acordo com tal normativo, a indemnização por perda total é cumprida em dinheiro quando, como no caso dos autos, o valor da reparação e dos salvados seja superior a 100% do valor venal do veículo, calculado com base no valor de venda no mercado no momento anterior ao acidente e o valor de indemnização por perda total é determinado com base no valor venal do veículo, calculado nos termos do número anterior. No caso dos autos, o valor da reparação era de 6.033,540 euros ultrapassando 500% o valor venal do veículo à data do acidente. Daí que, face à matéria de facto dada como provada, a recorrente só esteja obrigada a pagar a referida quantia de 1.200,00 euros a este título".
O Tribunal respondeu de forma diferente. Não atendeu ao decreto-lei e remeteu para o Código Civil, referindo: "A reparação natural, se for possível, pode ocorrer através da entrega de um bem idêntico ou através da entrega de valor equivalente, que possibilite a reparação ou restauração do bem danificado.
Na verdade, o que revela, neste apuramento, é o interesse do lesado e não o do lesante, já que está em causa determinar a forma pela qual se deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga a reparação (artigo 562.º do Código Civil).
Este entendimento expressa, no fundo, uma realidade da vida de todos conhecida, ou seja, o parâmetro para aferir do valor do custo da reparação, que indemnize integralmente o dano, nos termos previstos na lei, e que de cabal sentido ao princípio da diferença previsto no artigo 566.º, n.º 2 do Código Civil, seguramente enformado do princípio transversal da boa-fé, é o de que o valor do bem danificado tem de ser aferido no contexto do património do lesado, atendendo-se ao valor do uso e às utilidades que o mesmo extraía do bem (que alguns denominam valor patrimonial), o que, em regra, se distancia, para mais, do mero valor venal do bem. Por ser assim, a aferição da excessiva onerosidade não pode apenas ficar dependente da mera comparação numérica.
Não o tendo demonstrado, nem sequer alegado ou provado que com o valor venal do veículo, o lesado poderia adquirir outro veículo idêntico para a mesma finalidade, assiste ao lesado o direito de ser indemnizado pelo valor da reparação, por ser o único que, face à prova dos autos, lhe permite ser investido na situação anterior ao evento lesivo, através da reparação do veículo, em conformidade com o disposto nos artigos 562.º e 566.º do Código Civil".
Com esta decisão do Tribunal da Relação, a seguradora não conseguiu os seus intentos de pagar apenas o valor venal.
Conclusão
Com estes dois exemplos, que fazem jurisprudência, e outros mais que poderíamos aqui publicar, a injustiça só avança se o leitor se deixar manipular em momentos importantes do processo. Não aceite tudo como se fosse uma verdade absoluta. A prova disso está nos casos que lhe mostrámos. O valor venal e a perda total são figuras que valem se as quiser aceitar. Servem também para evitar esquemas de aproveitamento por parte de pessoas sem escrúpulos que tentam lesar as seguradoras. Se estiver a agir de boa fé, será difícil destruírem o valor do seu património, se não tiver contribuído em nada para esse acontecimento."
fonte: guia automóvel, julho 2012
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