Sergio Pininfarina (1926-2012), o automóvel como objecto de beleza

"Na morte de Sergio Pininfarina, várias vozes sonantes transalpinas, como a do presidente da Ferrari, chamaram-lhe mestre do Made in Italy. Se pecaram, terá sido apenas por defeito. Pininfarina tornou-se um ícone do sector automóvel.

Sergio Pininfarina era ainda um jovem quando o seu jeito diplomático lhe proporcionou um acordo que desencadearia um dos mais gloriosos capítulos da história do automóvel. No início dos anos 1950, em Itália, pensava-se que associar um tal de Enzo Ferrari, fundador da marca com o mesmo nome, e Battista "Pinin" Farina, dono de uma empresa que se dedicava ao fabrico artesanal de carroçarias para automóveis, seria como juntar duas primas-donas numa mesma ópera. Algo difícil de concretizar e que, se acontecesse, pouco duraria. Opiniões públicas à parte, Enzo Ferrari não o disse directamente, mas fez saber que gostaria de conhecer Battista "Pinin" Farina. Por seu turno, este também propalou que estava disposto a encontrar-se com Enzo, em Turim, onde se situava a sua empresa, seria um bom local para conversarem. A resposta não se fez esperar e dava conta de que Enzo Ferrari "já quase não sai de Maranello".

Estava criado um impasse, que foi resolvido por Sergio Pininfarina, filho de Battista. O herdeiro propôs que os dois senhores se encontrassem num restaurante, em Tortona, a meio caminho entre Maranello (província de Modena) e Turim. Foi aí que Battista e Enzo apertaram as mãos e iniciaram uma colaboração que já dura há 60 anos e que resultou em mais de 200 modelos Ferrari.

A mítica marca do cavallino rampante dispõe actualmente do seu próprio Centro de Estilo, mas a colaboração com a Pininfarina não se desfez e esta assinatura continua a ornamentar as carroçarias esculturais dos Ferrari.

"A certa altura ficou claro que um procurava uma mulher famosa e bela para vestir e o outro um costureira de classe mundial para a vestir", recordou Battista "Pinin" Farina na sua autobiografia.

O seu filho, Sergio Pininfarina, nasceu em 1926, em Turim. Em 1950, licenciou-se em Engenharia Mecânica no Politécnico de Turim e começou a trabalhar na empresa que o pai fundara em 1930. Em 1960, foi nomeado director-geral da Pininfarina e, no ano seguinte, administrador-delegado. Foi também em 1961 que o Presidente da República de Itália autorizou a família a usar o apelido Pininfarina em vez de Farina.
O pai Battista morreu em 1966 e Sergio passou a presidente da empresa. Em 2005, foi nomeado senador vitalício pelo Presidente da República italiana e, no ano seguinte, tornou-se presidente honorário da Pininfarina. Sergio faleceu, aos 85 anos, após doença prolongada não especificada, e vai a enterrar esta manhã, em Turim. A doença não foi o seu único sofrimento: em Agosto de 2008, o seu filho Andrea morreu (já era então presidente da Pininfarina), vítima de um acidente de viação, quando se deslocava na sua scooter para a empresa familiar.

A propósito da morte de Sergio, Walter da Silva, um dos maiores magos do design automóvel da actualidade e responsável máximo por esta área em todo o Grupo Volkswagen, afirmou: "Para mim, Sergio Pininfarina foi o primeiro embaixador do design automóvel italiano no mundo. Ele ousou e foi bem-sucedido em levar o estilo italiano e a sua marca para além das fronteiras do nosso país. É uma grande perda para a comunidade dos designers e também para a Itália, mas tenho a certeza de que os seus carros, as suas criações, o seu nome, vão perdurar para sempre."

Em 2001, o então ministro da Economia, Luís Braga da Cruz, foi um dos anfitriões de uma visita de Sergio Pininfarina a Portugal, quando o italiano se reuniu também com o primeiro-ministro à época, António Guterres. O país esforçava-se por demonstrar a potenciais investidores os seus progressos no sector automóvel e a capacidade instalada para receber uma fábrica ou produzir componentes. "Ele era um ícone do sector automóvel, mas foi muito simpático. Pareceu-me uma pessoa culta e com uma conversa afável. Sabia ouvir e estava verdadeiramente interessado no desenvolvimento do sector automóvel em Portugal", recordou o antigo ministro, que ainda ficou grato pelo "livro bonito" que lhe foi oferecido por Sergio com as criações da Pininfarina.
Os carros só podiam estar no sangue de Sergio Pininfarina. A seguir à II Guerra Mundial, quando ainda nem era engenheiro mecânico, a Itália foi proibida de expor no Salão Automóvel de Paris devido à sua participação no conflito como aliada da Alemanha nazi. Mas Battista e o filho não se conformaram e conduziram até França duas das suas criações estilísticas: um Alfa Romeo 6C 2500 S e um Lancia Aprilia Cabriolet. Estacionaram-nos em frente ao Grand Palais de Paris, onde se realizava o certame, e aí permaneceram até ao encerramento.

O arrojo e a perseverança de pai e filho renderam frutos. No último dia, o secretário do salão disse a Battista: "O senhor garantiu um lugar no salão do próximo ano." Sergio Pininfarina liderou as equipas de design da empresa homónima e foi responsável pelo seu período de maior expansão, coadjuvado pelo cunhado Renzo Carli. Entre outras inovações, a Pininfarina instalou, em 1972, um túnel de vento para ensaios aerodinâmicos à escala real, o primeiro em Itália e, ainda hoje, dos poucos a nível mundial. O departamento de estudos e pesquisa surgiu em 1982 e a Pininfarina Extra, dedicada a uma multiplicidade de áreas que não a automóvel, em 1986. Já em 2002 foi a vez de um centro de engenharia.

O que durante décadas tem puxado mais o lustro ao nome Pininfarina é, sem dúvida, a sua ligação à Ferrari. E foi durante a liderança de Sergio que a marca fundada por Enzo Ferrari lançou alguns dos seus modelos míticos, como o 250 SWB (1960), 250 GT Berlinetta Lusso (1963), 330 GTC (1966), Dino 206 (1967), Daytona (1968), BB (1971), Testarossa (1984), 456 GT (1992), F355 (1994) ou o 550 Maranello (1996). Sob a batuta de Sergio, a Pininfarina continuou a ter um peso preponderante na história da indústria automóvel italiana, em marcas como a Alfa Romeo, Fiat, Lancia ou Maserati, contribuindo para o relançamento desta última, ao conceber o modelo Quattroporte, lançado em 2003.

O prestígio da Pininfarina é mundialmente reconhecido e a sua capacidade industrial permitiu-lhe construir carros nas suas instalações, em Itália. Entre outros, e ao longo de vários anos, os Alfa Romeo Spider, GTV e 33 Giardinetta, o Bentley Azsure, o Ferrari Testarossa, os Fiat Campagnola, 124 Spider Europa e Coupé, a Lancia Thema Station Wagon ou os Peugeot 205 e 306 Cabriolet e 406 Coupé. No caso do Cadillac Allanté, produzido entre 1986 e 1993, formou-se mesmo algo que seria impensável nos nossos dias: uma ponte aérea entre a Itália e os EUA.

Hoje, a indústria automóvel tende a ser menos emocional e mais racional. O lucro tornou-se ainda mais indispensável à subsistência dos construtores e as prioridades são a segurança e a redução de emissões poluentes. As italianas Bertone, Giugiaro e Pininfarina, que poderiam ser comparadas, no mundo da moda, às francesas Chanel, Dior e Yves Saint Laurent, vivem por estes dias o seu ocaso. Um dos sinais disso mesmo é o facto de a Pininfarina ter deixado recentemente de produzir carros nas suas instalações.
Pior ainda: no final de 2008, a acumulação de prejuízos e de dívidas à banca obrigou a famíiia Pininfarina a abdicar do controlo maioritário da empresa e a contentar-se com uma participação diminuta.

Mas, face à ameaça deste desfecho que pairava no horizonte, Sergio Pininfarina não ficou de braços cruzados. Diversificou as áreas de actuação da empresa e até mesmo as suas actividades pessoais. Entre várias outras funções e cargos, foi professor de Projecto de Carroçaria no Politécnico de Turim (de 1974 a 1977), deputado no Parlamento Europeu (1979-1988), presidente da Organização Internacional dos Construtores Automóveis (de 1987 a 1989) e da poderosa Confindustria - Confederação Industrial Italiana (entre 1988 e 1992).

Na Pininfarina, a diversificação de áreas de actividade é total, mas os genes não foram esquecidos e a empresa trabalha actualmente com cinco construtores chineses, possuindo inclusive uma dependência em Pequim. O que a empresa desenha, hoje em dia, vai desde a tocha olímpica dos Jogos Olímpicos de Inverno Turim 2006 a máquinas de café ou de venda de bebidas, capacetes para motos, computadores e outros produtos electrónicos, mobiliário, aviões ou comboios.
Já assinou a arquitectura de hotéis, igrejas ou do actual estádio da Fiorentina. No túnel de vento pioneiro, onde começaram por avaliar carros em tamanho real, também testam hoje, em escala reduzida, aviões, comboios, edifícios ou pontes.
Outra grande área de aposta da Pininfarina passa pela mobilidade sustentável, ou seja, pelo desenvolvimento de veículos que prejudiquem menos o ambiente do que aqueles que recorrem a combustíveis fósseis. Mas também há paixões que ainda perduram numa sociedade que muda velozmente e, por isso, a empresa produz um carro único para o cliente que assim o deseje, como nos primórdios da actividade de Battista "Pinin" Farina, ou restaura máquinas de outras eras.
Cabe agora ao outro filho de Sergio, Paolo Pininfarina, actual presidente da empresa, dar continuidade ao legado do pai e do avô."

Os carros de Pininfarina

Alfa Romeo 2uettottanta

fonte: guia público, julho 2012

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